17/10/2017

"Os milagres acontecem devagar..."

"Como vivemos o amor depois dos 40 Anos? O que é que ainda estamos dispostos a fazer, até que ponto queremos ou conseguimos ceder tempo e espaço para construir uma relação? O que é que ainda conseguimos mudar em nós e o que podemos esperar que o outro mude?
Sejamos francos: depois dos 40 já vivemos metade da nossa vida. Criámos hábitos, vícios, manias. Sabemos do que gostamos e do que não gostamos em nós e nos outros. Conhecemos os nossos defeitos e as nossas qualidades. Começamos a aprender a viver com algumas limitações: dormimos menos horas, vemos pior, temos menos tolerância com tudo aquilo que não consideramos importante. Entusiasmamo-nos com menos ingenuidade e apaixonamo-nos com maior profundidade. Seja de forma consciente ou inconsciente, escolhemos mais. Mas nem sempre escolhemos melhor. E entre nós há ainda quem sinta o mundo a encolher à sua volta e acredite que as escolhas serão sempre mais e mais escassas. Muitos trocaram sonhos nunca realizados por uma realidade conformada. Mas nem todos deixaram de sonhar.
Depois dos 40, quando tudo parece simplificar-se , afinal o amor é ainda mais complicado. Já carregamos  metade de uma vida com casamentos e separações, traumas e desilusões, filhos ainda por criar e pais que já precisam dos nossos cuidados. Surgem as primeiras mazelas e aparecem as primeiras rugas. E, no entanto, se encontramos alguém que nos atrai, com quem partilhamos interesses, convicções, valores e vontades, e se esse alguém se interessa por nós, em que medida estamos ainda disponíveis para arriscar, para abandonar a nossa zona de conforto e mudar de vida? Até que ponto estamos ainda disponiveis para amar'
Nós somos a última geração Disney e a primeira dos vídeos pornográficos de livre acesso. Ainda preferimos telefonar em vez de enviar WhatsApps. Não acabamos relações por SMS. Muitos entre nós são filhos de casais que nunca se separaram. Quisemos tudo: carreiras brilhantes, casamentos perfeitos, filhos inteligentes, viagens, desporto e aventuras. Entrámos sem receio nem pudor na segunda e terceira volta das uniões de facto, juntando trapos e filhos como quem muda de camisa. Habituámo-nos a pensar que podíamos ter tudo e, por isso, não precisávamos de fazer escolhas. Mas a vida acaba sempre por nos trocar as voltas: apaixonamo-nos por pessoas pouco disponíveis ou aborrecemo-nos quando a pessoa que sempre fez tudo por nós continua ao nosso lado. A ambivalência profunda entre aquilo que ainda consideramos ser correcto e aquilo que nos apetece é o nosso ponto fraco. Quisemos ser adulto cedo e, como é normal nas crianças precoces, demorámos e vamos ainda demorar muito tempo a amadurecer. E, no entanto, alguns de nós ainda sonham com a aterna busca de um amor ideal, acreditando no poder da dedicação total e da fidelidade incondicional. Alguns de nós ainda sonham ser aquele casal perfeito para quem os outros olham com admiração e orgulho. Como se a perfeição pudesse existir."

"Os milagres acontecem devagar" - Margarida Rebelo Pinto

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